Soneto XXXVI de Íntima parábola

Senhor, que a mim de sonho e vísceras fizeste,
e me tens nu, qualquer que seja a minha veste,
sinto, desde que aqui tuas varandas varro,
ter, bem junto a meu corpo, alma também de barro.
É por isso que vou com asas rastejando,
e as plumas de meus pés as perdi não sei quando.
É por isso que pães sabendo a lama como,
quando creio colher em tua mão um pomo.
Tua presença é como a vida, é como açoite,
e vergasta-me sempre, onde quer que me amoite.
Tua presença é luz que tive entre meus braços
e, terrível, mostrou-me os meus próprios pedaços.
Senhor, alma de sóis que dão vida e a consomem,
eu não tenho perdão, eu sou carne, eu sou homem.

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